NÃO FUMO
Hospitais públicos oferecem tratamentos para abandonar o fumo; conheça a opinião de quem passou pela experiência
Cigarro podreira
Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
O estudante Felipe Augusto Haolla, 18, que participou de programa que auxilia quem quer deixar o cigarro
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Tudo começa como uma curiosidade besta: que gosto tem? O que acontece quando a fumaça do cigarro -e suas 4.720 substâncias tóxicas, diga-se- entra no pulmão? Como vou me sentir depois de um trago?
As respostas são simples: o gosto, logo nas primeiras tragadas, é bem ruim. A fumaça, ao entrar no pulmão, intoxica o organismo e, ao tragar, a pessoa sentirá uma forte tontura. Tudo isso levará quem insistir no hábito de fumar por mais de seis meses a estar mais propenso a fumar pelos próximos 30 anos. Está comprovado que, na faixa etária de 12 a 18 anos, a dependência da nicotina se instala mais fácil e fortemente.
O vício que vem fácil, por outro lado, é um dos mais difíceis de serem abandonados. Pesquisas mostram que apenas 3% dos fumantes que tentam parar sozinhos realmente atingem tal objetivo. No entanto, quanto mais cedo se abandona o vício, menor o risco de o jovem sofrer os danos que o cigarro produz no organismo (veja na página ao lado).
Para enfrentar os sintomas de abstinência do tabaco (fissura, dor de cabeça, tonteira, irritabilidade, alteração do sono, tosse e indisposição gástrica), existem serviços de auxílio que se valem da ajuda de terapia, de adesivos ou de chicletes de nicotina ou ainda de um medicamento (bupropiona) que ajuda o fumante a largar o vício.
O governo está oferecendo há um mês um tratamento gratuito pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para quem quer parar de fumar. Basta telefonar para o Disque Pare de Fumar (0800-70377033), pedir que indiquem um centro de tratamento de sua cidade mais próximo de sua casa, fazer um cadastro e aguardar uma chamada (que pode demorar cerca de um mês).
O estudante Felipe Augusto Haolla, 18, participou do tratamento. Fumante desde os 12 anos, Felipe até pensava em parar de fumar os 20 cigarros que consumia diariamente. "Era o tipo de vontade que eu ficava adiando. Minha mãe, que decidiu parar com a ajuda de um tratamento, me pressionou e eu fui também."
"Achava que o cigarro era algo já incorporado à minha personalidade, que me diferenciava das outras pessoas. Não conseguia me ver sem ele", admite. Com a ajuda do programa Prev-Fumo, da Universidade Federal de São Paulo, Felipe conseguiu se livrar do vício. Fez terapia e usou adesivos de nicotina, mas diz que ainda tem algumas recaídas por causa da pressão do ano de vestibular. "No começo, foi horrível. Tive enjôo e fiquei muito irritado, perdia a paciência com qualquer coisa", conta.
Felipe foi aconselhado a tirar de seu quarto tudo o que estivesse relacionado com o cigarro: isqueiros, cinzeiros e roupas de cama com cheiro de fumaça. "Passei o primeiro dia inteiro dormindo para não pensar em cigarro. Mesmo assim, sonhei que estava fumando."
Ele diz que, em pouco tempo, recuperou o fôlego, o olfato e o paladar e percebeu que sua pele melhorou.
Érica Moretti, 23, passou pelo mesmo processo. Depois de fumar durante oito anos, ela se inscreveu no Prev-Fumo e fez um ritual. "Fumei até a meia-noite, como haviam ensinado na terapia de grupo. Depois joguei meus cigarros na privada, coloquei um adesivo de nicotina e fiquei numa boa."
Érica já havia tentado parar sozinha sem sucesso. "Fiquei muito irritada, malcriada e chata." Mesmo com a ajuda de adesivos, Érica admite que sofreu algumas neuroses. "A primeira semana foi ótima. Dormia bem, não estava ansiosa nem nada. Depois foi mais complicado. A minha ansiedade voltou e fiquei irritada, mas continuei firme. As sessões de terapia me deram um ânimo extra."
Há três meses sem fumar, Érica está perseverante: "Engordei um pouco porque a fome aumenta muito quando a gente pára de fumar, mas voltar, eu não volto. Estou me sentindo muito melhor sem o cigarro."
Até agora, apenas 41 centros de referência estão credenciados para fornecer o tratamento gratuito pelo SUS. "A demanda por esse serviço está explodindo", afirma Tânia Cavalcanti, chefe da divisão de tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (Inca). "Temos de correr contra o tempo para atender a todos os que querem parar de fumar."
Quem fuma desde cedo tem mais dificuldade de parar
Começar é a parte mais fácil
DA REPORTAGEM LOCAL
Há um par de anos, o avô de Ricardo (nome fictício), 15, morreu de câncer em decorrência do fumo. Além da experiência familiar, Ricardo é bombardeado com informações sobre os malefícios do tabaco. Afinal, elas estão em anúncios, na escola e no próprio verso do maço de cigarros. Nada disso foi suficiente.
"Odiava cigarro, mas meus pais e meus amigos fumam e eu resolvi experimentar."
Sem saber, os próprios pais de Ricardo financiam seu vício recente: ele compra cigarros com o dinheiro da mesada. "Quero parar, mas só mais para a frente."
Ricardo é o exemplo da tese de que a adesão ao cigarro na adolescência se dá principalmente por influência familiar e do grupo. "O jovem, que é por natureza rebelde, quer mostrar independência e poder de decisão. Se o ambiente apresenta a ele o desafio de fumar, ele fuma", explica Sérgio Ricardo Santos, 30, coordenador do Prev-Fumo. "Infelizmente, é raro um jovem querer parar de fumar", admite.
Normalmente, o adolescente tem a falsa impressão de que pode parar quando quiser e, mesmo sabendo dos malefícios do cigarro, acha que aquelas doenças todas nunca o atingirão.
"Como o cigarro é barato e disponível, a dificuldade do fumante em largar o vício é maior", afirma Ronaldo Laranjeira, 45, presidente da Abead (Associação Brasileira de Álcool e Drogas), e da Uniad (Unidade de Álcool e Drogas da Unifesp). "O cigarro não tem efeito tão poderoso quanto o da cocaína, mas seus efeitos são mais persistentes."
O Brasil tem 30,6 milhões de fumantes (2,4 milhões têm menos de 19 anos), e estudos nacionais indicam que 78% deles gostariam de abandonar o cigarro.
Só que, quanto mais cedo se começa a fumar, maiores são as chances de seguir fumando por pelo menos 30 anos. Estudos mostram que o primeiro contato com o cigarro acontece cada vez mais cedo. Pesquisa da Unesco, divulgada em novembro, mostrou que 15,9% de brasileiros que têm entre 10 e 12 anos já experimentaram um cigarro e que 2,5% já fumam regularmente.
Cerca de 90% dos fumantes compraram seu primeiro maço ainda na adolescência.
A indústria do tabaco, que de boba não tem nada, sabe bem disso e mira o adolescente na hora de promover o fumo há décadas. Documentos confidenciais da indústria revelados nos EUA são claros: "Atingir o jovem pode ser mais eficiente mesmo que o custo para atingi-los seja maior, porque eles estão desejando experimentar e têm mais influência sobre os outros da sua idade do que terão mais tarde", diz um dos documentos, escrito por um executivo da Philip Morris em 1957.
Rodrigo (nome fictício), 16, fuma desde os 13 e diz que, se seus amigos não fumassem, ele não teria começado. "Acho que me sentiria mal." Para ele, o cigarro tem a função de relaxar, o mesmo argumento de cinco outros jovens fumantes entrevistados pelo Folhateen. (FERNANDA MENA)