Os anos 90 deram a senha para o que aconteceria na década seguinte: a
inconsistência. Apesar de meu gosto pessoal priorizar as novidades, os
crossovers e a quebra de conceitos, tenho que dar o braço a torcer aos que pregam que "nada barra os clássicos do rock", no que diz respeito ao próprio
rock. Parem para pensar: pouquíssimas bandas que surgiram até dez anos atrás conseguem se manter com discos bons, lançando obras relevantes após seu terceiro trabalho - o ponto crítico de qualquer artista. Se a cena de Seattle é considerada o último suspiro de criatividade e qualidade coletivas no rock and roll, é fato que ela durou pouco, muito pouco, o suficiente para ter produzido carreiras tão boas quanto curtas - cadê
Soundgarden,
Alice In Chains,
L7, etc.? Sobram talentos dispersos, sem preencherem qualquer cena específica. E sobraram também bandas que apelaram para o
crossover total - aquele de que tanto gosto - uma tentativa de cruzar o rock and roll com estilos híbridos, uma busca pelo
novo que, até agora, não tem rendido não mais do que três discos bons. A
inconsistência acabou imperando. Aqui vão alguns exemplos que eu gostaria de citar como artistas
inconsistentes, que padecem do mesmo mal dos anos 90/2000:
FILTER
Esta banda, na verdade um duo (Brian Liesegang e Richard Patrick) surgiu ao mundo em 1995 com uma proposta promissora: unir a sujeira
grunge com a tecnologia do
industrial - dois estilos foram marcantes na década passada. O álbum "Short Bus" é uma prova de estes dois gêneros poderiam andar de mãos dadas. Ótimos refrões, melancolia estampada, peso e melodia na medida certa, enfim, um grande disco. Passaram-se quatro anos até que um novo álbum surgiu: "Title of Record". Desta vez, Richard Patrick resolver dispensar seu parceiro, e formou uma banda de verdade. Há excelentes músicas neste disco - mais uma prova do quão bom melodista Richard é. Mas a própria sonoridade já não apresentava tantas inovações e aproximava-se dos tantos imitadores de NIN/Marylin Manson que surgem por aí. Eis que em 2002 eles voltam com um disco que mais parece...
new metal!!! "Amalgamut" é até melhor do que a média dentro deste estilo, mas justamente por ter apelado à
média, acabou tornando-se
mediano - o próximo passo será
medíocre?
KORN
Banda-símbolo da "grande praga do rock and roll atual". "Pais do monstro". Enfim, "criadores do
new metal". O infame "rock pesado" que é praticado há mais de cinco anos nos EUA tem no Korn a a personificação da
culpa. Alguns mais espertos logo contestarão o (de)mérito de
criador, pois existiram Faith No More, Primus, Bad Brains e vários outros (excelentes) exemplos de que a mistura de metal+rap surgiu antes do nascimento da maioria de seus fãs atuais. Mas o
new metal como ele é hoje, com vocais melancólicos misturados a raps, bases pesadas e balançadas, efeitos industriais e afinação baixa nas guitarras, e letras de cunho depressivo, foi o Korn quem pariu o filho desta maneira exata. Seu primeiro álbum, "Korn", lançado em 1994, é um marco, seja para o bem ou para o mal. Mas, particularmente, acho um discaço! Ouvi ecos de NIN, Pearl Jam, Primus e FNM aqui e ali, mas no geral era um som novo, uma
mistura nova, para ser mais exato. O álbum seguinte, "Life Is A Peachy" seguiu-se mais pesado e soando como uma evolução mais anárquica do primeiro disco. Depois veio o razoável "Follow The Leader", que realçou o que eles tinham de pior, com vocais forçadamente tristes e paranóicos (esse cara não ouviu o Nivek Ogre corretamente...) e viagens excessivas no instrumental - uma versão anos 90 do exibicionismo puro de muitas bandas de hard rock dos 80. E depois...bem, depois surgiu a praga que se extende até hoje. "Sigam o líder"? Seguiram e tomaram-lhe a liderança. A merda predomina.
MARYLIN MANSON
Ele nasceu para provocar controvérsia. Controvérsia esta que acabou ficando mais forte do que seu som. Mas o que pouca gente sabe é que seu primeiro disco é uma explosiva fusão do melhor hard rock produzido nos anos 80 com o industrial caótico do NIN - não à tôa Trent Reznor produziu o disco. "Portrait of an American Family", de 1994, é uma pedrada com excelentes canções e energia transbordando. As letras já queriam chocar, mas o visual ainda não fazia uso de maquiagem. "Anti Christ Superstar" foi o disco que o colocou no cenário pop, com todo seu exagero cênico. Mas é um álbum arrasador, pesadíssimo, com ótimas canções, e que havia dado vários passos à frente - no seu próprio som, pois ainda estava à sombra do NIN. A imagem de anti-cristo ficou
over e lá foi o esquisitão adotar a estética
glam no som e no visual. "Mechanical Animals" ainda dá um gás. Mais psicodélico, com influências certeiras dos anos 80 - prevendo o hype que viria a seguir. E depois perdeu a graça. O diabão já não chocava mais. Sobraram bons discos para seus fãs, mas a proposta musical estava estagnada, e seu conceito já não incomodava tanto. Alguém aí ainda consegue se impressionar com o clipe de "Tainted Love", por exemplo?
Esta análise que fiz não tem como propósito de dar um caráter definitivo. Quero que vocês parem para pensar neste fato. É muito chato você ouvir aquele seu amigo tido como retrógrado afirmando que o som de hoje não presta. Mas a força das canções e dos álbuns, em sua maioria, produzidos atualmente, não produzem carreiras consistentes. Dei o exemplo de três bandas que representam muito bem a direção que o rock tomou nos últimos dez anos, que são as fusões com eletrônica e o hip-hop. Continuo defendendo a música eletrônica como grande catalizadora de bons momentos, qualidade e inovação após a "cena de Seattle". Mas também continuo a afirmar que rock e eletrônica são estilos distintos e que possuem seus universos particulares. E que a música eletrônica representa uma nova forma, uma mudança no conceito de como fazer
música. O problema mora na
inconsistência nos crossovers que o rock arriscou, e que já foram saudados como sua
salvação. Se depender do qque aconteceu até então, o rock está
perdido...