A linha era Eucalipto-Vila Rubim. O local de embarque, a avenida Marechal Campos, Vitória. Como destino, o centro da cidade (ou a cidade, como falávamos - e ainda falamos). Já na Jerônimo Monteiro, bastava caminhar alguns metros e lá estavam os paraísos: as lojas de discos - discos mesmo, os vinis de tantas guerras - "Golias" e "Messias" (nomes que sugeriam imponência e reverência). O entrar nos santuários era de arrepiar qualquer rockeiro, com a santa visão de centenas de bolachas e bolachinhas à disposição de nossa curiosidade. E a batalha por um bom espaço era intensa, cotoveladas distribuídas com fartura ao catarmos "aquele" lançamento e "aquela obra de arte" de tempos atrás, aqueles de que o nosso vizinho cabeludíssimo nos havia falado, entre goles de cerveja, almofadas pelo chão e o três-em-um (!) berrando pérolas como "The prisoner." Claro deve ficar que, durangos que éramos, cada compra requeria um alto grau de planejamento financeiro, longas e chorosas conversas com nossos progenitores e a solução de uma dúvida terrível: com a possibilidade de obter, por essa via, somente um ou dois disquinhos por mês, qual (meu Deus, qual?) escolher? Concluída a operação, a grande jogada era voltar logo ao nosso bairro e convocar todos os outros maníacos para, juntos e excitados (no bom sentido, no bom sentido), ouvirmos o que seria a nossa redenção por quarenta, quarenta e cinco minutos. Outra opção de socorro estava nas rádios, poucas, muito poucas, que nos abasteciam com programas "especializados", capazes de trazer um fio que fosse da mais recente produção internacional. Vale lembrar que o rock nacional ainda engatinhava, e muitos de nós já dele nada esperava. Internet, fitas de vídeo e canais pagos? Ah, meu amigo, a jogada era bem diferente. E muito, muito mais divertida.
É de revirar as vísceras ler a entrevista de Frejat (cadê o Roberto?) ao jornal "O Globo", na qual o sujeito bacaninha - já repararam como os roqueiros brasileiros são tão gente boa? Cara e jeito de bandido? Quá! - dá a sua choradinha ao falar da pirataria de cd´s, visível em qualquer esquina. Sim, Frejat, há muita gente envolvida na produção das bolachinhas, e a indústria fonográfica (leia-se grandes corporações), bem ou mal, ainda se faz necessária nessa engrenagem, empregando pais (e mães) de família. Mas não há argumento honesto que sustente os 25, 30 reais de um disquinho simples. Nem o leitinho das crianças. Pirataria na cabeça dessa corja, pois.
O grande barato de entrar em um sebo de discos está não em achar o que procuramos, e sim em achar aquilo que não pensávamos encontrar. Buscar um disco qualquer, por exemplo, e dar de cara com "Manassas", álbum de 1972 com Stephen Stills (vocais, guitarras, pianos e órgão) capitaneando uma senhora banda: Chris Hillman (vocais, guitarras e bandolim), Al Perkins (vocais, guitarras e Steel Guitar), Joe Lala (vocais e percussão), Dallas Taylor (bateria), Paul Harris (órgão, pianos e clavinete), Calvin "Fuzzy" Samuels (baixo), Sydney George (harmônica), Roger Bush (baixo acústico), Byron Berline (violino) e, ufa, Bill Wyman (sim, aquele mesmo, no baixo). Em um dos períodos de afastamento de seus companheiros de estrada David Crosby, Grahan Nash e Neil Young (também ex-chapa no conjunto Buffalo Springfield), Stills dedicou-se ao lançamento de um álbum ainda pouco reconhecido fora de alguns círculos. Originalmente um vinil duplo (reeditado em cd simples), distribuía por seus quatro lados - The Raven, The Wilderness, Consider e Rock & Roll is Here to Stay - folk, blues, country e rock, cada qual em sua praia ou jogados em uma coqueteleira, todos (muito bem) tocados com o tesão típico de músicos que sabem o que querem, e sabem o que devem fazer para lá chegar. Em seu livro "Os exércitos da noite", Norman Mailer insinua que a América nada mais é que gasolina e perfume barato. Esses caras nos fazem entender isso, e desejar mais.