A onda da pirataria ao vivo
CDs gravados por fãs durante shows de grupos famosos agora são trocados pela internet
The New York Times
NOVA YORK - Marc Daniel acrescentou 1,4 mil CDs à sua coleção ano passado. Mas ele não está em nenhuma campanha da indústria para reverter as vendas declinantes de discos. Quase todos os discos que ele conseguiu, de grupos como Grateful Dead e U2, eram de gravações ao vivo nunca oficialmente lançadas. E os discos não foram sequer comprados em lojas. Ao contrário, ele usou a internet para negociá-los, trocando discos que tinha pelas gravações que queria, em uma transação de legalidade questionável e fantástica recompensa musical.
Marc Daniel, 51, é viciado em troca de música - e não está sozinho. Com um mínimo de pesquisa na internet, os fãs de todos os músicos - de estrelas que enchem estádios e cultuados artistas de clubes - podem achar um site ou uma lista de mailing nos quais podem se saciar com CDs ao vivo. Bob Dylan ou Bruce Springsteen? Nenhum problema. Gravações ilegais ou bootlegs dos seus shows começam a circular logo que o último carro sai do estacionamento. Um show do cantor e compositor Dirk Hamilton ou do músico eletrônico Luke Vibert? Sem esforço também. No mundo da música, você não é ninguém até que alguém o ame o suficiente para querer seus bootlegs.
Enquanto Grateful Dead, Pearl Jam e outras bandas permitem que seus shows sejam gravados e livremente negociados, muitos não permitem. O tráfico de gravações não-autorizadas é uma violação da Lei Federal de Copyright. Mesmo assim, os traficantes não parecem estar incomodados. Marc Daniel diz copiar cerca de 90 discos por dia só para atender às negociações que fez.
- Não me sinto um criminoso. O que faço é trazer alegria para as pessoas e para mim mesmo - diz.
Bootlegs são gravações não-autorizadas, a maioria de shows, que não são feitas para serem lançadas. Os CDs bootlegs são diferentes dos piratas, que são cópias ilegais de discos oficialmente lançados. E há mercado para ambos.
Da mesma forma que os sistemas on line de trocas de arquivos musicais revolucionaram a forma com que a indústria vende suas músicas, a tecnologia digital está mudando a maneira com que os fãs têm acesso aos bootlegs.
Geralmente, eles custam de US$ 20 a US$ 30 por CD e podem ser achados nas lojas. Mas é mais barato e mais simples consegui-los on line. Muitos dos novos computadores já vêm com copiadores de CD, e alguns dos discos virgens custam menos que 50 cents cada. Como a internet permite aos fãs de uma banda convergir para um só ponto virtual, os traficantes de CD se conectam facilmente e fazem suas trocas com apenas alguns e-mails e selos.
A troca de bootlegs não é tão disseminada quanto a de arquivos musicais pela rede, mas provoca na indústria musical tanta apreensão quanto. Cary Sherman, presidente da Associação da Indústria Fonográfica da América, disse que não é possível precisar o nível de ocorrência do bootleg. Mas acrescentou que ''o problema da pirataria é obviamente bem maior, tanto no mundo físico quanto no virtual, porque mais pessoas estão pirateando e trocando os discos oficiais mais vendidos do que os bootlegs''.
Isso explica porque a Associação não foi especificamente agressiva em combater os bootlegs. Há considerações práticas também. Artistas que processam fãs por terem distribuído música que não estava em seus CDs acabam perdendo toda a simpatia. Os traficantes argumentam que estão prestando um serviço de utilidade pública ao fazer os bootlegs. Um deles, da Filadélfia, disse que costumava comprar esses CDs em lojas, mas iniciou uma lista de mailing sobre shows dos Rolling Stones, que agora tem mais de 1,7 mil assinantes.
- Uma vez que você vê que pode conseguir os discos a 10 cents, para que gastar o seu dinheiro? - alega.
Mesmo nos casos em que as bandas não permitem os bootlegs, os fãs racionalizam suas ações. Antes de qualquer coisa, dizem, as gravações não diminuem as vendas de CDs, porque os fãs já têm todos os álbuns oficiais da banda. E o mais importante: eles alegam que estão documentando a história musical. O traficante da Filadélfia, que tem 733 shows dos Stones em sua coleção, diz:
- Preservar esse legado, esses 40 anos de música, é a coisa mais importante para nós.
E ele chega a dizer que L.A. friday, um bootleg de um show de 1975, é mais nítido que Love you live, o disco ao vivo oficial dessa época.